03 outubro 2006

Trabalho e Arte

A CIGARRA E A FORMIGA

Tendo a Cigarra cantado durante todo o verão, viu-se ao chegar o inverno sem nenhuma provisão.
Foi à casa da Formiga, sua vizinha, e então lhe disse:
- Querida amiga, podia emprestar-me um grão que seja, de arroz, de farinha ou de feijão? Estou morrendo de fome.
- Faz tempo então que não come? - lhe perguntou a Formiga, avara de profissão.
- Faz.
- E o que fez a senhora, durante todo o verão?
- Eu cantei - disse a Cigarra.
- Cantou, é? Pois dança, agora!

La Fontaine


Contrafábula da cigarra e da formiga

A formiga passava a vida naquela formigação, aumentando o rendimento da sua" capita" e dizendo que estava contribuindo para o crescimento do produto nacional bruto. Na trabalhadeira do investimento, sempre consultando as cotações da bolsa, vendendo na alta ecomprando na baixa, sempre atenta aos rateios e às subscrições. Fechava contratos em Londres já com um pé no Boeing para Frankfurt ou Genebra, para verificar os dividendos de suas contas numeradas.
Mas vivia também roendo-se por dentro ao ver a cigarra,com quem estudara no ginásio, metida em shows e boates, sempre acompanhada de clientes libidinosos do Mercado Comum. E vivia a formiga a dizer por dentro:
- Ah, ah! No inverno, você há de aparecer por aqui, a mendigar o que não poupou no verão! E vai cair dura com a resposta que tenho preparada para você!
Ruminando sua terrível vingança, voltava a formiga a tesourar e entesourar investimentos e lucros, incutindo nos filhos hábitos de poupança, consultando advogados e tomando vasodilatadores.
Um dia, quando voltava de um almoço no La Tambouille com os japoneses da informática, encontrou a cigarra no shopping Iguatemi, cantarolando como de costume. "Lá vem ela dar a sua facada!" pensou a formiga. "Ah, ah, chegou a minha vez!"
Mas a cigarra aproximou-se só querendo saber como estava ela e como estavam todos no formigueiro. A formiga, remordida, preparando o terreno para sua vingança, comentou:
- A senhora andou cantando na tevê todo este verão, não foi, dona Cigarra?
- É claro! disse a cigarra. - Tenho um programa semanal.
- Agora no inverno é que vai ser mau... - continuou a formiga, com toda a maldade na voz. - A senhora não depositou nada no banco, não é?
- Não faz mal. Os meus não discos não saem das paradas. E acabei de fechar contrato com o Olympia de Paris por duzentos mil dólares...
- O quê?! - exclamou a formiga. - A senhora vai ganhar duzentos mil dólares no inverno?
- Não. Isso é só em Paris. Depois, tenho a excursão a Nova York,depois Londres, depois Amsterdam...
Aí a formiga pensou no seu trabalho, nas suas azias, na sua vida terrivelmente cansativa e nas suas ameaças de enfarte, enquanto aquela inútil da cigarra ganhava tanto, cantando e se divertindo! E perguntou:
- Quando a senhora embarca para Paris?
- Na semana que vem ...
- E pode me fazer um favor? Quando chegar a Paris, procure por um tal La Fontaine e diga-lhe que eu quero que ele vá para o raio que o parta!

Antônio A. Batista

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